É
difícil iniciar um comentário sobre esse filme, que, a meu ver, é de grande
qualidade. Cisne Negro nos põe a
refletir sobre nossos sonhos, desejos, fantasias e medos mais profundos.
Conflitos interiores que nos movem ou nos fazem parar para sempre. As ideias
são muitas e confusas, o filme causa isso ao assisti-lo, mas tentarei expor da
forma mais clara possível minha postura acerca desse enredo.
Tenho
o costume de dizer que um filme para me prender precisa mexer com minhas emoções,
desestabilizar minhas convicções, me motivar a escrever. Enquanto via o filme
sentia ao mesmo tempo duas coisas: vontade de que terminasse logo para que eu
pudesse passar minhas ideias para o papel e vontade de não perder nem um
segundo da transformação de Nina, protagonista do filme, de cisne branco para
cisne negro. Será realmente uma transformação? Ou na realidade foi uma
libertação? Nina encontrou, a meu ver, uma oportunidade de libertar o cisne
negro que havia dentro de si.
Passamos
a vida lutando contra nosso cisne negro. Ou será o contrário? Será que na
verdade lutamos contra o inexistente, mas necessário cisne branco? Inexistente,
pois não creio em um lado bom de nós. Creio na verdade em um lado fraco, mas
não frágil; um lado incompetente, mas não incapaz; um lado inseguro, mas não
impossibilitado de tomar decisões. E é contra esse lado de nós que lutamos.
Necessário, já que fomos moldados para vivermos em sociedade. Nossa natureza
impulsiva, irracional, teve que ser polida para que conseguíssemos viver
civilizadamente. Afinal, não daria para, em qualquer sinal de descontentamento,
distribuirmos mordidas por aí, não é mesmo? Mas mesmo assim nosso verdadeiro instinto
sempre fala mais alto, mesmo com todo nosso esforço em disfarçá-lo.
No
caso de Nina não era diferente, a pressão da mãe com relação à sua carreira de
bailarina; seu desejo de que Nina fosse tudo o que ela não conseguiu ser quando
jovem; o esforço de Nina em ser uma “garota doce”, meiga, sensível, fizeram com
que Nina punisse a si mesma se automutilando, punindo seu cisne negro, já que
percebia que aos poucos perdia o controle sobre esse lado que ela tanto tentava
esconder.
Nina
estava sendo pressionada, agora não a ser uma boa menina, mas pressionada a
libertar seu lado mais instintivo, forte, determinado, lado esse que por sinal era
muito marcante, como demonstrado em todas as suas fantasias eróticas e aterrorizantes.
Nina se sente ameaçada ao perceber que poderia perder seu papel para uma garota
que tinha tudo o que ela precisava ser, ou melhor, tudo o que ela precisava
libertar. Uma garota segura de si, forte, rebelde e talvez impulsiva, como um
bom cisne negro deve ser.
Por
mais conflituoso que seja, é muito mais fácil representarmos um cisne branco,
assim não temos que passar por críticas e julgamentos por parte da sociedade.
Difícil é deixar que o cisne negro desabroche e domine nossa razão, Nina
precisava fazer isso se quisesse realizar seu sonho.
Vivemos
o tempo todo numa luta constante contra nós mesmos, cisne branco x cisne negro.
Quem vencerá esta luta? Ou melhor, quem vencerá a batalha, já que a luta
pressupõe o fim de tudo e não é esse o nosso objetivo nessa guerra, embora haja
sido esse o ponto que Nina alcançou. Mas por que isso aconteceu? Como em toda a
profissão é comum a concorrência, o desejo de superação, mas será que nosso
maior adversário não se trata de nós mesmos, do outro lado de nós? Perverso,
frio, calculista, nosso cisne negro, nosso lado perfeito. Não é isso que Nina
tentava buscar? E nós o que buscamos durante toda a vida se não a perfeição?
Vida
sem graça, tudo parece monótono. Sair de casa cedo, trabalhar o dia todo,
estudar, quanta chatice! E mesmo nos passeios com os amigos, as reuniões de
família nos fins de semana, a sensação de que algo não está bom, de que falta
alguma coisa, está sempre presente. Eu disse falta? Será essa a palavra-chave
para explicar nosso descontentamento com a vida? Infelizes aqueles que creem
ser capazes de um dia alcançar a completude, já que, alcançando a completude,
perde-se a vida. Imaginemos a vida sem problemas, sem dificuldades, uma vida
sem momentos difíceis, onde tudo fosse pura felicidade, Como seria? O que seria
feito dos bons momentos? Nós conseguiríamos distingui-los em meio a tanta
felicidade? E quanto aos sonhos realizados? Haveria realizações? A superação,
as conquistas, os medos e desafios que nos fazem crescer e nos mostram o quanto
estamos amadurecendo e aprendendo a lidar com essa trágica comédia chamada
vida. E quanto a nossa velhice, como seria? O que teríamos para contar para
nossos netos? Qualquer coisa seria entediante, pois esses já estariam
acostumados com tamanha falta de não sentir falta de nada, falta de não ter do
que reclamar, falta de não ter por que lutar. Como podemos perceber, a falta
estará sempre conosco, ela é que nos move e faz com que a roda da vida gire e
nos impulsione a viver. Se alcançamos a completude, a vida pode parar. Alcançando
a completude, a vida perde seu sentido, e o que nos resta além de nos entregar àquela
que, a meu ver, é o espelho mais fiel da perfeição – a morte? Pois, como a
perfeição, depois que atravessamos esta ponte, nos tornamos apenas sonhos, ideias,
ilusões, delírios daquilo que simplesmente não existe.
Enfim o que restava à Nina depois da
inquestionável e louvável vitória sobre si mesma? É possível derrotarmos apenas
um lado de nós? É possível destruir apenas nosso lado fraco, inseguro,
impotente, nosso lado fálico? Não, isso não é possível, somos feitos de duas
faces e devemos lidar com ambas. Uma depende da outra, e as duas juntas fazem
de nós seres humanos tão complexos com o desejo incessante de alcançar a
perfeição. Não há nenhum mal em desejar a perfeição. O mal está